iPods podem ser responsáveis por onda de crime
quarta-feira, 5 de março de 2008
às 12:17 PM
É fácil perceber por que iPods seriam alvos atraentes para criminosos: os players de música são valiosos e fáceis de revender, e pessoas absortas em suas trilhas sonoras pessoais podem ignorar aquilo que as cerca, e isso as torna vulneráveis. Mas será que a tentação de roubar iPods é forte a ponto de fazer deles os responsáveis por uma elevação no número de crimes? Pesquisadores de um instituto de estudos de questões públicas alegam que sim.
Eles argumentam que os atraentes aparelhos são talvez a principal razão para que o número de crimes violentos tenha subido nos Estados Unidos em 2005 e 2006, depois de registrar anos consecutivos de queda, de 1991 em diante - ainda que uma análise mais cuidadosa dos resultados pareça sugerir que a hipótese tem lá seus pontos fracos.
O Instituto Urbano, uma organização de pesquisa sediada em Washington, mencionou a possibilidade de uma "iOnda de crimes" em setembro do ano passado, e na última terça-feira organizou uma mesa redonda a respeito, para estudar o caso mais a fundo. Os pesquisadores não culpam a fabricante do aparelho, a Apple, ou os produtores de quaisquer outras engenhocas eletrônicas pelo problema, mas dizem que os consumidores deveriam exigir a adoção de tecnologias que inutilizem aparelhos desse tipo quando roubados.
Um ponto-chave na argumentação do instituto é que o número de assaltos - o roubo de alguma coisa com o uso ou ameaça de força - havia sofrido dramáticas reduções desde os anos 90, mas voltou a subir acentuadamente em 2005 e 2006. Estatísticas do Serviço Federal de Investigações (FBI) demonstram que o índice de assaltos subiu de 137 por 100 mil pessoas em 2004 para 141 por 100 mil pessoas em 2005, e 149 em 2006. Isso ajudou a elevar a incidência geral de crimes violentos nesses anos, ainda que o número de estupros tenha caído e o número de agressões físicas tenha se mantido estável.
Ao longo desses anos, os iPods estavam conquistando mais e mais espaço no mercado. A Apple havia vendido cerca de cinco milhões de iPods até o final de 2004; o total disparou a 42 milhões pelo final de 2005 e a 90 milhões no final de 2006.
Uma teoria em geral aceita sustenta que crimes acontecem quando três coisas confluem: um agressor motivado encontra uma vítima conveniente, e percebe chance elevada de cometer o crime sem sofrer conseqüências imediatas. E os pesquisadores do Instituto Urbano acreditam que a súbita onipresença dos iPods serviu para fortalecer esses três fatores.
Motivação: o iPod é um produto que custa centenas de dólares e que gerou muito interesse no mundo da cultura pop; isso faria com que os potenciais ladrões, especialmente os mais jovens, sentissem forte atração pelo aparelho, para uso próprio ou revenda. Vítimas convenientes: as pessoas que estão usando os lendários fones de ouvido branco se tornam bastante fáceis de distinguir, e muitas vezes a música as leva a prestar menos atenção ao ambiente que as cerca. Facilidade de cometer o crime: os iPods não dispõem de qualquer mecanismo que permita localizar seu paradeiro quando roubados, ou de um sistema de assinatura que o legítimo proprietário possa usar em caso de roubo, tornando o aparelho inutilizável.
Indícios circunstanciais sustentam boa parte dessas alegações. Funcionários do serviço de metrô em Nova York, Washington e San Francisco registraram grande elevação no número de iPods roubados de passageiros. Reportagens apontam o iPod como o item de "roubo obrigatório" mais recente para certos bandidos, ocupando um posto que no passado coube, por exemplo, aos tênis Nike Air Jordan.
Outro motivo para que a idéia tenha sido aceita por muita gente é o fato de que os assaltos cometidos por menores de idade aumentaram em proporção muito mais elevada do que os cometidos por adultos, segundo John Roman, pesquisador do Instituto Urbano. E, se problemas econômicos servem como possível explicação da elevação da criminalidade - são uma das causas mais comumente apontadas em estudos sobre os índices de crime -, Roman não acredita que esse tenha sido o caso em 2005 e 2006, porque nos dois anos o número de crimes contra o patrimônio caiu.
Mas seria plausível pressupor que iPods e aparelhos semelhantes tenham sido roubados em volume suficiente para explicar uma elevação nos índices de criminalidade? E os malfeitores teriam praticamente se limitado a elevar seus roubos do reluzente aparelho e praticamente nada mais? É quanto a isso que a teoria da iOnda do crime começa a parecer menos plausível.
Para começar, o número de homicídios também cresceu no período, ainda que ligeiramente, de 5,5 por 100 mil pessoas em 2004 a 5,6 em 2005 e 5,7 em 2006. Já que tendências criminosas muitas vezes são indistintas, o que quer que tenha causado a elevação no número de homicídios pode explicar também a alta nos assaltos.
Roman rebate afirmando que a elevação no número de crimes violentos, como os assaltos, tende a se equiparar à elevação nos índices de homicídio, já que assaltos frustrados muitas vezes terminam em assassinato; por isso, com um aumento no número de assaltos, seria de esperar que houvesse mais vítimas de homicídio. Mas sem dados sólidos indicando que muita gente tenha sido morta em tentativas de roubo de iPods, Roman reconhece que é possível que "estejamos invertendo causa e efeito".
Também é curioso que, embora os roubos de iPods em metrôs e outros lugares urbanos lotados ofereçam as melhores indicações circunstanciais, a elevação no número de crimes em 2005/6 foi mais alta em pequenas e médias cidades - lugares onde o tráfego de pedestres é menos intenso, e metrôs superlotados não existem.
Além disso, alguns dos iPods roubados podem se enquadrar na categoria furto - um roubo sem violência, como nos casos em que o aparelho é subtraído de uma bolsa sem que o proprietário perceba -, e os furtos registraram baixa em 2005/6.
Em outras palavras, talvez tenha acontecido uma iOnda de crimes, mas seria difícil ter certeza. Afinal, os assaltos também registraram elevação em 2001, e o iPod não existia ainda.
Tradução: Paulo Migliacci ME
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